Desde sempre que os migrantes do
continente africano vêm para a Europa em busca de uma vida melhor. Como não são
refugiados, são considerados uma calamidade, uma “praga”, um bando de
indigentes, patifes que querem vir para a Europa causar distúrbios e aumentar a
marginalidade.
Agora perante esta situação com
os sírios há quem misture. Há quem ache que uma coisa são os migrantes outra
são estes pobres coitados que vêm fugidos de uma guerra… Refugiados diz-se. Os
segundos, parece, sensibilizam a opinião pública. Todos querem recebê-los. Uma
onda de solidariedade e de apoio como nunca vista foi gerada à sua volta.
Vergonha… vergonha tenho eu de
fazer parte deste mundo, que não se sensibiliza com os milhares de africanos
que vêm à sorte deles, carregados com os filhos e com a esperança de lhes
poderem dar uma vida melhor, em botes precários, de armadores sem escrúpulos,
para a Europa e assim que cá chegam são enviados de volta para os seus locais
de origem. Nunca se viu foto de uma criança negra a dar à costa das praias mediterrânicas.
No caso deles não há fotojornalistas apostos com as suas poderosas objectivas,
nem há tão pouco o interesse no assunto. A prová-lo o facto, de no caso deles nunca
se terem ouvido apelos para que pudessem ser acolhidos, mesmo estando ilegais…
no caso deles parece não haver ninguém pela Europa toda que os queira acolher… pelo
contrário, todos os querem expulsar.
Dois pesos e duas medidas… num
país como a Síria, todos sabemos que há guerra aberta entre várias frentes. Em
África sangram ainda as feridas de uma descolonização europeia mal conseguida,
que em nome de uma suposta “liberdade e soberania”, os deixou à própria sorte.
Não sem antes lhes ter criado uma máquina política, uma estrutura complexa à
sua imagem, e ter-se vindo embora sem nunca se importar se havia quem a
soubesse manobrar, tendo a maior parte deles degenerado nos sistemas
autocráticos verdadeiramente assustadores que todos têm conhecimento.
Vergonha… vergonha da forma como
se tratam uns e outros. Vergonha porque se insiste a falar e baralhar tudo no
mesmo saco mas depois se dá tratamentos diferenciados que deviam embaraçar
todos os europeus bem como qualquer ser com alguma humanidade que seja.
Os migrantes que buscam um pouco
de esperança, embarcando naqueles botes de morte, vêm de países esgotados. Países
inférteis, países corruptos com os quais a Europa tem acordos comerciais milionários,
exploratórios, vis e vergonhosos que só beneficiam os ditadores e déspotas
elites que subjugam, vandalizam, escravizam e exploram os seus povos e
beneficiam, claro, os Europeus, os mesmos que agora se sensibilizam com
fotografias de crianças à tona da água, os mesmos que agora querem concertar
estratégias, aplaudir e regozijar-se com as tais ondas de solidariedade.
E eu pergunto-me, se uns são
refugiados, porque vêm para a Europa para fugirem à guerra, os outros, “migrantes”,
vêm para a Europa em procura de uma vida melhor, fugidos de países com
situações sociais subversivas, perfeitamente equiparáveis a um cenário de
guerra, situações silenciosas, vergonhosas, que duram desde meados do século
passado? Entendo a diferenciação semântica. Em termos estatísticos pode ser
importante para os anais da “História da Vergonha Contemporânea”. Não querendo
diminuir a gravidade da situação síria, aflige-me a distinção que se assiste no
tratamento de uns e outros, até porque a razão que mais fundamenta a mesma
prende-se com o seu fim, ou seja, enquanto supostamente os primeiros pretendem
voltar à sua pátria depois do conflito terminado, os segundos aparentemente não…
creio que se alguém lhes desse um país africano pleno, com trabalho e
oportunidades de vida minimamente fiáveis, também eles voltariam num abrir e
fechar de olhos para a terra que os viu nascer.
Para mim, estes pobres coitados não
são vítimas de uma guerra clássica, mas são vítimas de outro tipo de guerras… São
vítimas do sistema que é suposto ser assim… e que os obriga a ir para as
grandes cidades, onde se amontoam desempregados e crianças esfomeadas, votadas
ao abandono e à sua própria sorte. Cidades cuja capacidade demográfica está
200% acima do que seria suposto. Cidades sem condições mínimas de salubridade e
dignidade humana. Cidades que, das duas uma, ou os atiram para os botes da
morte em direção à Europa, ou os empurram para debaixo da terra…
Vergonha… vergonha pela onda de
solidariedade dos meus pares, vergonha pela hipocrisia dos políticos, vergonha
pela distinção feita entre seres humanos que no fundo no fundo vêm em busca da
mesma coisa: a esperança de serem felizes.