domingo, 6 de setembro de 2015

Vergonha


Desde sempre que os migrantes do continente africano vêm para a Europa em busca de uma vida melhor. Como não são refugiados, são considerados uma calamidade, uma “praga”, um bando de indigentes, patifes que querem vir para a Europa causar distúrbios e aumentar a marginalidade.
Agora perante esta situação com os sírios há quem misture. Há quem ache que uma coisa são os migrantes outra são estes pobres coitados que vêm fugidos de uma guerra… Refugiados diz-se. Os segundos, parece, sensibilizam a opinião pública. Todos querem recebê-los. Uma onda de solidariedade e de apoio como nunca vista foi gerada à sua volta.

Vergonha… vergonha tenho eu de fazer parte deste mundo, que não se sensibiliza com os milhares de africanos que vêm à sorte deles, carregados com os filhos e com a esperança de lhes poderem dar uma vida melhor, em botes precários, de armadores sem escrúpulos, para a Europa e assim que cá chegam são enviados de volta para os seus locais de origem. Nunca se viu foto de uma criança negra a dar à costa das praias mediterrânicas. No caso deles não há fotojornalistas apostos com as suas poderosas objectivas, nem há tão pouco o interesse no assunto. A prová-lo o facto, de no caso deles nunca se terem ouvido apelos para que pudessem ser acolhidos, mesmo estando ilegais… no caso deles parece não haver ninguém pela Europa toda que os queira acolher… pelo contrário, todos os querem expulsar.
Dois pesos e duas medidas… num país como a Síria, todos sabemos que há guerra aberta entre várias frentes. Em África sangram ainda as feridas de uma descolonização europeia mal conseguida, que em nome de uma suposta “liberdade e soberania”, os deixou à própria sorte. Não sem antes lhes ter criado uma máquina política, uma estrutura complexa à sua imagem, e ter-se vindo embora sem nunca se importar se havia quem a soubesse manobrar, tendo a maior parte deles degenerado nos sistemas autocráticos verdadeiramente assustadores que todos têm conhecimento.

Vergonha… vergonha da forma como se tratam uns e outros. Vergonha porque se insiste a falar e baralhar tudo no mesmo saco mas depois se dá tratamentos diferenciados que deviam embaraçar todos os europeus bem como qualquer ser com alguma humanidade que seja.
Os migrantes que buscam um pouco de esperança, embarcando naqueles botes de morte, vêm de países esgotados. Países inférteis, países corruptos com os quais a Europa tem acordos comerciais milionários, exploratórios, vis e vergonhosos que só beneficiam os ditadores e déspotas elites que subjugam, vandalizam, escravizam e exploram os seus povos e beneficiam, claro, os Europeus, os mesmos que agora se sensibilizam com fotografias de crianças à tona da água, os mesmos que agora querem concertar estratégias, aplaudir e regozijar-se com as tais ondas de solidariedade.

E eu pergunto-me, se uns são refugiados, porque vêm para a Europa para fugirem à guerra, os outros, “migrantes”, vêm para a Europa em procura de uma vida melhor, fugidos de países com situações sociais subversivas, perfeitamente equiparáveis a um cenário de guerra, situações silenciosas, vergonhosas, que duram desde meados do século passado? Entendo a diferenciação semântica. Em termos estatísticos pode ser importante para os anais da “História da Vergonha Contemporânea”. Não querendo diminuir a gravidade da situação síria, aflige-me a distinção que se assiste no tratamento de uns e outros, até porque a razão que mais fundamenta a mesma prende-se com o seu fim, ou seja, enquanto supostamente os primeiros pretendem voltar à sua pátria depois do conflito terminado, os segundos aparentemente não… creio que se alguém lhes desse um país africano pleno, com trabalho e oportunidades de vida minimamente fiáveis, também eles voltariam num abrir e fechar de olhos para a terra que os viu nascer.  
Para mim, estes pobres coitados não são vítimas de uma guerra clássica, mas são vítimas de outro tipo de guerras… São vítimas do sistema que é suposto ser assim… e que os obriga a ir para as grandes cidades, onde se amontoam desempregados e crianças esfomeadas, votadas ao abandono e à sua própria sorte. Cidades cuja capacidade demográfica está 200% acima do que seria suposto. Cidades sem condições mínimas de salubridade e dignidade humana. Cidades que, das duas uma, ou os atiram para os botes da morte em direção à Europa, ou os empurram para debaixo da terra…


Vergonha… vergonha pela onda de solidariedade dos meus pares, vergonha pela hipocrisia dos políticos, vergonha pela distinção feita entre seres humanos que no fundo no fundo vêm em busca da mesma coisa: a esperança de serem felizes. 

Back Home


Sol


Santiago

Fomos, desaparecidos. Fugidos
Para uma paragem de luz e de ternura
Para um destino de paz e serenidade
Lá não havia dor,
Não havia tristeza
Não havia angústia
Nem desassossego…
Só sorrisos doces de sol
Olhares lânguidos de esperança
Preces e rebuçados.

Mas de volta.
De volta, tivemos de vir,
Abruptamente.
Sentir tudo novamente
E pior.
Relembrar o desassossego,
Agora mais amargo ainda
O suspiro que não cessa dentro do estômago
Aqui voltámos, com as mãos vazias
Sem esperança e com saudade.

Hoje já te consigo contar
Hoje já te consigo raciocinar
Hoje já te consigo sentir o doce cheiro de amor,
Que tinha perdido a caminho de cá,

A caminho do lugar seguro.

Summer Breezes